O naufrágio de um navio é sempre um momento trágico para o navio e todos aqueles que estão envolvidos, directa ou indirectamente, mas desperta sentimentos ainda mais estranhos quando ocorre já com o porto de destino à vista.
São vários os exemplos que ocorreram na história marítima portuguesa, como é o caso da nau «Nossa Senhora dos Mártires», que naufragou junto da fortaleza de São Julião da Barra.
O caso que vou aqui relatar refere-se a um lugre motorizado, o «Primeiro Navegante», construído na Gafanha da Nazaré, em 1940, por um dos elementos da famosa família de construtores navais em madeira, Manuel Maria Bolais Mónica.
Era um lugre de 4 mastros, com um motor de 425 HP, com 44,17 metros de comprimento, 10,13 metros de boca e 5,13 metros de pontal, o que lhe dava uma tonelagem bruta de 482 toneladas. Tinha capacidade para embarcar 12.000 Quintais (c. 705 toneladas) de bacalhau, com uma tripulação de 56 homens e 53 dóris (pequena embarcação de pesca, tripulada apenas por um pescador e a partir da qual era efectuada a pesca à linha).
No total, desde o seu lançamento até à fatídica viagem final, em 1946, o navio efectuou 6 viagens no Atlântico Norte, a maioria das quais num período em que a Batalha do Atlântico decorria com toda a intensidade, sem quaisquer problemas.
Nessa última viagem e após uma safra sem eventos, o navio arribou ao porto de Leixões, a 14 de Outubro, como era tradicional os navios bacalhoeiros efectuarem, para aliviar carga, devido às limitações que a então barra de Aveiro tinha, tendo descarregado 3.000 Quintais de pescado.
Logo após ter efectuado essa operação, o navio volta a largar com destino à Barra de Aveiro, tendo chegado no dia 24. A manobra de entrada dos navios, que eram auxiliados por dois rebocadores – o «Marialva» e o «Vouga» – era acompanhada pelo olhar atento de uma imensa multidão que se encontrava em terra a observar.

Já com o cabo passado ao primeiro rebocador, mas fustigado por um mar alteroso e com vento forte, o «Primeiro Navegante» embarca uma grande quantidade de água no poço e, sob o efeito das fortes rajadas de vento, atravessa-se à vaga, sem que o rebocador o consiga pegar, acabando por varar na praia da meia-laranja, mesmo em frente do Farol da Barra.
Todos os tripulantes, felizmente, foram retirados sãos e salvos do navio. Segundo testemunhos da época, o acidente marcou profundamente o capitão do navio que era, simultaneamente o dono, juntamente com o irmão.
Durante os dias e semanas seguintes, foi-se salvando o possível da carga e dos apetrechos do navio incluindo, segundo parece, o motor do navio que terá eventualmente sido utilizado noutro navio, até que o mar desmantelou por completo o casco e a areia acabou por cobrir o local.

No entanto, a nossa história não acaba aqui, pois cerca de 40 anos mais tarde, um jovem , adepto da caça submarina, após ter tido conhecimento que um colega teria recuperado da zona do naufrágio a peça utilizada para sinalização do navio, numa altura de grande desassoreamento, resolve também mergulhar no local.
Durante o seu mergulho depara-se com o que de imediato identificou como sendo o sino, que calculou ser do navio. Contudo, não conseguindo recolher o mesmo para o pequeno bote que lhe servia de apoio, resolveu levar o chicote do cabo para terra onde, com o auxílio de populares, conseguiu trazer o sino para terra, para grande espanto de todos aqueles que o auxiliaram, sem saber que peso era aquele que vinha na extremidade do cabo que desaparecia para baixo da superfície da água.

Contudo, não satisfeito, voltou nos dias seguintes, desta vez com um grupo de amigos para tentar encontrar o respectivo badalo. E, não é que o encontrou? Apesar dos amigos terem, por duas vezes, devolvido ao mar a estranha concreção que aquele teimava enviar para a superfície.
Para além das fotografias efectuados após o achamento, e ao contrário da mencionada peça de sinalização que terá sido vendida a um particular e cujo paradeiro se desconhece, o sino encontra-se actualmente a cargo da Divisão de Arqueologia Náutica e Subaquática (ex-CNANS), apesar do achador nunca ter recebido a recompensa prevista na lei.