Tailândia: Um grupo de miúdos, uma equipa de futebol e o seu treinador, numa escapadinha imprudente a uma gruta.
Uma chuvada inesperada e a galeria a encher repentinamente. A solução: ir fugindo da água que sobe, cada vez mais e mais para o interior da cavidade. Encurralados, vão seguir-se vários dias de isolamento, sem luz e comida. Para beber há a água que escorre das paredes e do teto.
Cá fora dá-se a mobilização geral. Autoridades nacionais e locais, marinha tailandesa, espeleo-mergulhadores e tantos outros voluntários anónimos acorrem a oferecer a sua ajuda. Inicia-se a busca, até que nove dias depois mergulhadores de gruta ingleses fazem o achamento.
Equipa-se a galeria. O grupo a resgatar está longe e o percurso não é fácil. É tortuoso, há zonas apertadas e galerias inundadas. Como os tirar de lá?

Várias hipóteses são colocadas:
- Subir à montanha (a cerca de 800 m acima da galeria), localizar um algar muito fundo e bem localizado e/ou furar até à galeria onde está o grupo e proceder à sua extração. Quanto tempo demorará a abrir uma via pela montanha para instalar um estaleiro e como conseguir a precisão necessária no caminho a abrir até à galeria? Onde se situa esta exatamente? Podem acontecer abatimentos na galeria? Vários algares, alguns deles bastante profundos, são explorados, mas esta opção não parece viável.
- Proceder ao resgate pelo mesmo caminho por onde o grupo entrou. Caminho longo, acidentado, com restrições assinaláveis e secções da galeria preenchidas por água. Há necessidade de fazer os resgatados mergulhar em água turva de sedimento ou mesmo em visibilidade zero, lidar com a sua baixa aquaticidade, enfrentar eventuais episódios de desorientação ou mesmo pânico e a impossibilidade de aceder diretamente à superfície. A possibilidade de morte de alguns dos envolvidos é real.
Mergulhadores internacionais preparam o equipamento nas imediações da gruta de Tham Luang (foto US Navy) - Esperar que a água desça e que todos saiam como entraram, fazendo o caminho inverso e a seco. A espera será obrigatoriamente de alguns meses, pois as monções estão ainda agora a começar. É imperioso tornar habitável o local onde o grupo se refugiou. Para tal será preciso impedir que o nível da água continue a subir, bombeando o excesso para fora da gruta, gerir a qualidade do ar, passar mantimentos, estabelecer comunicações, combater a hipotermia, resolver questões sanitárias, evitar que surjam infeções e controlar a alteração dos ciclos biológicos por privação à luz.
Esta terceira opção recolhe as preferências, mesmo que uma decisão final esteja longe de estar tomada. É uma opção trabalhosa, que exige persistência, mas que é substancialmente mais passiva para o grupo de resgatados. Contudo requer uma monitorização próxima e frequente do ambiente. Entretanto vão sendo colocados junto do grupo alimentos e água potável, iluminação e vários salvadores, um deles médico. Importa restabelecer as vítimas.
De repente, tudo muda.
O nível de oxigénio na câmara desce vertiginosamente e o dióxido de carbono aumenta, obrigando salvadores não essenciais a abandonar o espaço. A hipotermia vai-se instalando. Suspeita-se de infeções pulmonares entre os rapazes. Mesmo com pluviosidade reduzida, as bombas instaladas, agora ainda mais potentes, não estão a conseguir baixar o nível da água. Espera-se que não avariem. E quando começar realmente a chover? A terceira opção também não vai funcionar.

Contudo, é imperioso tomar uma decisão. O salvamento torna-se urgente e é preciso agir. As autoridades viram-se para a única opção possível. A que resta. Retirar as vítimas com recurso ao mergulho. Os riscos já foram avaliados.
Os preparativos são acelerados. Quem não é de cena, sai de cena. A utilização de mergulhadores militares é reduzida ao indispensável. Os mergulhadores de gruta tomam nas suas mãos o mergulho em gruta.
A estratégia é delineada.
Dois mergulhadores por criança, um antes, outro após. Com uma configuração de equipamento em que o salvador dianteiro transporta a garrafa de ar comprimido do resgatado, respirando este através de uma máscara facial, com vedação adequada à compleição franzina, e uma linha de parceiros mantendo ligados o resgatado e o salvador.

No primeiro dia são salvos 4 rapazes. No segundo dia a operação está mais oleada, os mergulhadores conhecem cada vez melhor a gruta e tudo decorre mais rapidamente. São salvos mais 4 rapazes.
Para poupar aos salvadores o imenso desgaste de sair e entrar da água, e de caminhar a seco transportando o seu equipamento, é de supor que tenha sido utilizado um par de mergulhadores por cada sifão. Os resgatados farão o percurso remanescente, a seco, até à saída, em maca.
Ao terceiro dia importa retirar as últimas crianças que ainda permanecem na câmara da gruta e o seu treinador. É também necessário que saiam os três mergulhadores da Marinha Tailandesa e o médico australiano que acompanharam o grupo até ao fim e todos os espeleo-mergulhadores e equipas de apoio. Tudo decorre sem sobressaltos conhecidos.

Todos terem sido salvos pode levar-nos à tentação de concluir que os riscos eram afinal menores e que o nível de dificuldade não era assim tão elevado. Mas esse é um puro engano, uma ilusão. O desfecho desta operação é um assinalável sucesso, fruto da capacidade técnica e da experiência dos salvadores, da abnegação das equipas de apoio e também da coragem e serenidade dos resgatados.
A morte evitável de Saman Gunan:
Um ex-mergulhador de elite da marinha tailandesa. Força mental, destreza, capacidade física, e voluntarismo não o conseguiram fazer voltar. Não possuía formação, nem equipamento adequados ao meio em que desenvolvia a sua tarefa. Nunca deveria ter sido enviado.