A OBRA DO FECHO DA GOLADA
Com o objetivo de melhorar as condições de acesso marítimo ao porto através do Canal da Barra Sul e permitir receber, sem restrições, os navios porta contentores da 4ª geração, a APL- Administração do Porto de Lisboa contratou, no início da década de 1990, serviços especializados de engenharia, cujas responsabilidade e coordenação estiveram a cargo da HP- Hidrotécnica Portuguesa e tiveram intervenções fundamentais do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil e do IH- Instituto Hidrográfico. Dos estudos realizados (5), que envolveram ensaios em modelos físico e matemático, concluiu-se que, para combater as citadas consequências do rompimento do banco do Bugio e o agravamento do assoreamento devido, principalmente, ao avanço para Sul da Cabeça de Pato (figura 3), deveria ser realizada a obra do fecho da Golada por meio de um dique de areia ligando a Cova do Vapor ao Bugio.

Além da vantagem anterior, a execução dessa obra teria ainda outras igualmente valiosas, nomeadamente as seguintes:
- A melhoria das condições de exploração das instalações portuárias existentes e a concretização futura de outras.
- A redução da agitação marítima na margem direita do rio e, consequentemente, a melhoria do comportamento das obras de proteção marginal existentes e do custo de outras, a realizar.
- O robustecimento da faixa do areal da praia da Caparica.
- A proteção natural com areia do farol do Bugio.
Em resultado destas conclusões, em 1990 a APL decidiu lançar um concurso internacional para a adjudicação da empreitada de construção da obra do fecho da Golada. O projeto desta obra consistia na execução do referido dique de areia, que envolvia o volume de dragagem de areias da ordem de 4,5 milhões de metros cúbicos, dos quais um milhão se destinava a proteger o farol do Bugio. A obra seria executada numa única época de verão, de Junho a Setembro, e, de acordo com o Presidente da APL, A. Conceição Rodrigues (7), essa obra seria “ a mais importante do século (século XX) para garantir o futuro do porto de Lisboa”.
A execução dessa obra teria feito estancar a evolução dos fenómenos descritos, cujas consequências, como vimos, têm sido muito gravosas, não só para o erário público, como para o ambiente. Os estudos e projetos executados pelas instituições e técnicos mais qualificados do País na área das engenharias costeira e portuária demonstravam, sem margem para dúvidas, as vantagens da realização dessa obra. Procurava-se, simplesmente, repor as condições que há muito existiam.
Contrariamente à recomendação dessas entidades e técnicos, por despacho ministerial de Junho de 1992, o Governo decidiu não realizar a obra e hoje, infelizmente, estão bem à vista as trágicas consequências dessa decisão.
Sentimo-nos orgulhosos quando recordamos notáveis realizações da engenharia nacional feitas no nosso país e no estrangeiro durante o século XX (8), como foi, por exemplo, a da ampliação da praia de Copacabana e do aterro do Flamengo no Rio de Janeiro. Perguntamo-nos: como é que foi possível que se tenha deixado desaparecer as naturalmente amplas praias da Caparica, da Cruz Quebrada e de Algés, que constituíam um importante património nacional?
De acordo com António Lamas (9), “Em 1990, travei, juntamente com Carlos Pimenta, uma bem-sucedida luta contra o projecto que se designava por Fecho da Golada”.
A obra não foi, por conseguinte, realizada por causa de uma aguerrida campanha promovida, em ano de eleições, por um pequeno, mas influente grupo de pressão, alegando, ironicamente, a defesa do ambiente.
SÉRIE DE DECISÕES ERRADAS
As antigas praias da Costa da Caparica, da Cruz Quebrada e de Algés constituíam um importante património nacional que foi delapidado devido a erradas decisões nas décadas de 1940 e de 1990. Foi errada a dos anos 40 por não terem sido devidamente avaliadas as consequências de uma intervenção que iria alterar o sistema de equilíbrio dinâmico que a natureza tinha criado e estabilizado ao longo de décadas na região. Foi errada a dos anos 90 por impedir o restabelecimento da situação anterior, ou seja, corrigir o erro anterior. Se a primeira ainda se pode compreender pela circunstância de à época não se conhecerem bem os fenómenos ligados à dinâmica costeira e estuarina, conforme refere Francisco Vidal Abreu (2), a segunda, quando tinham sido realizados estudos que permitiam identificar perfeitamente tais fenómenos, é realmente incompreensível.


Finalmente, está patente que o procedimento que tem vindo a ser seguido, de continuar a lançar areias na praia da Caparica, baseado no projeto de reabilitação dessa praia (6), não resolve, com carácter permanente, mesmo com custos muito elevados, o problema da retenção das areias nessa praia e do assoreamento do canal de navegação e, ainda menos, os problemas gerados ao longo da margem direita do rio Tejo.
A DECISÃO IMPORTANTE QUE SE AGUARDA
O que julgamos necessário e urgente será a realização dos estudos requeridos para fundamentar uma solução que resolva, de forma abrangente, os vários problemas da região: a recuperação da praia da Costa da Caparica, a melhoria das condições de acesso marítimo ao porto através do Canal da Barra Sul, a redução da agitação marítima ao longo da margem direita do rio e a recuperação das praias da Cruz Quebrada e Algés. Será, por conseguinte, uma atualização do estudo realizado no início da década de 1990 que baseou o projeto da obra do Fecho da Golada. Como é óbvio, passados quase 30 anos, os dados de base sobre as condições locais são bastante diferentes e os novos estudos e projetos deverão atender os condicionamentos e objetivos atualmente requeridos pelas entidades competentes.

A figura 4 mostra, como vimos, que a acumulação das areias na margem esquerda do rio entre 1939 e 1985 foi de 36 milhões de metros cúbicos. Estimativa baseada em levantamento mais recente indica que esse volume já excederá os 40 milhões. É interessante observar que a superfície desse volume acumulado de areias se mantém próxima, ou pouco abaixo, do ZH. Esta circunstância constitui um fator muito favorável para a realização da obra do fecho da Golada, pois as alturas dos aterros a formar são relativamente reduzidas e curtas as distâncias ao local de empréstimo dos materiais a dragar. Por isso, o preço por metro quadrado de área a conquistar será muito baixo, da ordem de € 40, admitindo 8 m de altura do aterro e € 5/m3 de material dragado.
Como, em princípio, a elaboração do projeto deverá procurar restabelecer, o melhor possível, as condições geomorfológicas que existiam antes do rompimento do banco do Bugio (10), constitui circunstância muito feliz a existência de um tão grande volume de areias que, em grande parte, se encontra disponível para realizar, na medida das necessidades, não apenas a obra inicial do fecho da Golada como, também, a posterior recuperação das praias e, atendendo à amplidão e enorme potencialidade da área da Golada, o aproveitamento desta para vários outros fins. Realizada a primeira, com um dique de areia (cujo volume estimamos ser da ordem de 5 milhões de metros cúbicos), protegido ou não no talude exterior em resultado dos estudos a realizar, podem prosseguir as obras de abastecimento, com carácter permanente, das praias da Costa da Caparica, da Cruz Quebrada e de Algés com areias dragadas na referida zona de empréstimo e, também, na abertura do Canal da Barra Sul com as dimensões requeridas atualmente para o acesso dos navios ao porto.
Recuperadas as praias deixarão de ter utilidade parte dos enrocamentos das obras de retenção e proteção, que ficarão disponíveis para eventual aplicação em outras obras marítimas.

Julgamos que a recuperação das praias da Costa da Caparica, da Cruz Quebrada e de Algés será certamente do maior interesse para as autarquias principais beneficiárias, as câmaras de Almada e de Oeiras, e que, para a APL, que detém a jurisdição do local da obra, será a oportunidade de levar a efeito a obra que pretendia realizar há 26 anos e reputava ser da maior importância para o futuro do porto de Lisboa.
Tendo, contudo, em atenção o conjunto de competências e responsabilidades das várias entidades envolvidas, julgamos que este importante empreendimento só terá condições de se concretizar se se basear numa decisão empenhada a nível governamental.
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REFERÊNCIAS
- Adolpho Loureiro (1907) – “Os Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes” – Imprensa Nacional, Lisboa, 1907.
- Francisco Vidal Abreu (2010) – “O Porto de Lisboa e a Golada do Tejo” – Revista de Marinha, nº 953, dezembro 2009/janeiro2010.
- Joaquim Ferreira da Silva (2013) – “Novo Terminal de Contentores em Lisboa” – Revista de Marinha, nº 973, maio/junho 2013.
- FEUP/IHRH (2001) – “Estudo da reabilitação das obras de defesa costeira e de alimentação artificial da Costa da Caparica”, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, Portugal (A figura 2 é extrato de uma adaptação feita neste estudo de P. Barceló, LNEC, 1971.
- Mota Oliveira, I. (1992) – “Port of Lisbon – Improvement of the access conditions through the Tagus estuary entrance” – Int. Conf. Coastal Engineering, Veneza, Itália, 1992 e Oliveira, I. M. (2006) – “Estuary and lagoon entrances” – PIANC Magazine AIPCN nº123, April 2006.
- Veloso Gomes, F., Taveira Pinto, F., Pais Barbosa, J. (2004) – “Rehabilitation study of coastal defense Works and artificial sand nourishment at Costa da Caparica, Portugal” – Proc. Int. Conf. Coastal Engineering, Lisboa, Portugal, 2004.
- Conceição Rodrigues (1990) – Apresentação do “Estudo Histórico Hydrográphico sobre a barra e o porto de Lisboa” – A. A. Baldaque da Silva, Tomo 1, APL, 1990.
- Ordem dos Engenheiros (2000) – “100 Obras de engenharia civil no século XX em Portugal” e Ordem dos Engenheiros (2003) – “100 Obras de engenharia portuguesa no mundo no século XX”.
- António Lamas (2007) – Artigo no Jornal “Público”, julho de 2007.
- José Manuel G. Cerejeira (2013) – “ O Plano de reestruturação do porto de Lisboa” – Revista de Marinha, nº 973, maio/junho 2013.