Não existem galinhas de ovos de ouro… Os barcos foram postos à venda a preço de sucata… O certificado de óbito ao Match Racing em Portugal está concretizado sem luto e sem escrúpulos. Estamos em 2020 e não há Match Racing em Portugal, é sobre isso, com que iremos hoje finalizar esta história.
Qualquer acção no mundo é normalmente composta por três vertentes na sua vivência temporal: criação, existência e declínio. Umas há que surgem, desenvolvem-se e terminam de imediato após concretizados os objectivos do seu propósito, acabam por não ter sentido um prolongamento ou repetição com os mesmos protagonistas, poderemos exemplificar: um casamento. Outras, são criadas na tentativa de perdurarem o maior tempo possível na perspectiva que a sua “morte” se torne intemporal, é difícil, mas por norma é o objectivo. As acções com modalidades desportivas e os seus eventos são bom exemplo disso.
Nos últimos dois artigos relembrámos a história do surgimento do Match Racing (MR) em Portugal, e do seu apogeu, que se previa e desejava capaz de se prolongar por muitos anos, contudo a terceira vertente acabou por ditar a lei implacável e encurtar a sua vivência. Estamos em 2020 e não há Match Racing em Portugal, é sobre isso, com que iremos hoje finalizar esta história.

Em 2001, quando a prática da actividade da especialidade de Match Racing atingiu a fase de apogeu e se encontrava em viagem de cruzeiro, consequência do trabalho desenvolvido pela Comissão Nacional de Match Racing (CNMR), tudo parecia fácil e pensava-se que nem sequer era preciso pôr óleo na engrenagem, mas não é verdade, para as coisas funcionarem é preciso vontade, sabedoria e uma coisa que não se valoriza, …uma não, …duas: “amor à camisola” e desprendimento no objectivo de enriquecer, ou do lucro fácil. Não existem galinhas de ovos de ouro. A CNMR protagonizava estas duas vontades para além de outros atributos já descritos nos anteriores artigos, no entanto quem de direito federativo na altura acreditava em outros valores assumindo os destinos e herança do MR.
A febre da prática de MR era já um facto e as provas nacionais e internacionais antes iniciadas e ensaiadas, como foram o caso da “Algarve Cup”, “Land Rover Cup” e vários campeonatos da Europa, estavam criadas, mas não bastava, havia necessidade de serem ajustadas às circunstâncias e geridas para todas essas vicissitudes e objectivos, onde a manutenção das embarcações da frota federativa requeria atenções especiais para a sua operacionalidade, os barcos não iam por iniciativa própria para estaleiro e as reparações eram desleixadas.

Claro que a responsabilidade desta prerrogativa de obrigações, aliada a falta de habilitação humana da FPV pós CNMR, eram grandes, bem como a incapacidade de as controlar maior, depreendendo-se que o futuro breve era em tudo diferente do exaustivo trabalho pioneiro concretizado. Os J24, apesar da sua excelência de robustez sofriam mazelas, necessitando de manutenção. Foi então nessa hora que a FPV criou a falsa ilusão de ajuda aos clubes, no privilégio, sem ajudas económicas, de se tornarem fieis depositários do património e se responsabilizassem por toda a gestão e organização das provas já conhecidas que a comunidade velejadora se tinha habituado. Impossível, foram incapazes de organizar e honrar todos os compromissos do rumo traçado. Não há galinhas de ovos de ouro. Destino: abandono.
Entretanto, outros interesses económicos surgiram no convencimento de lucro chorudo, não querendo desperdiçar a ausência de alternativas para saciar a sede nacional e internacional de provas desta especialidade, apareceram então empresas com embarcações privadas a organizar campeonatos extras e sonantes à medida dos interessados: velejadores e promotores/patrocinadores. Foram alguns eventos organizados sem carácter de fidelização temporal, maioria deles em Tróia, cujo as receitas de viabilização e organização das acções era bem superior às anteriores de origem federativa. Houve mérito? Houve, mas não sustentabilidade.
2016, no actual mandato federativo houve a esperança de um novo virar de página para o MR, dois elementos da ex-CNMR, onde um deles era o pioneiro Armando Goulartt, tudo fizeram para recuperar a frota J24 que se encontrava a descansar moribunda a Norte, Viana do Castelo, em atrelados já tão paralisados como o seu destino. Conseguiu-se, passaporte para a frota MR com destino à casa mãe, FPV, Belém, albergue condigno para a sua permanência, local privilegiado, acessível e viável à recuperação/manutenção. O Porto de Lisboa (APL), patrocinador e parceiro de excelência para a operação, ambicionava dar ao Tejo a vida que outrora nele existia com provas da especialidade. O Campeonato Europeu 1998 ficou na memória.
Em Dezembro 2016, um transporte de longas dimensões chegava à doca de Belém com os desejados J24. Depois de regressados e depositados em Belém, aguardava-se a sua rápida operacionalidade. A tutela, IPDJ, convencida das mais valias resultantes com a recuperação do património MR, desbloqueou uma generosa verba de 10.000 € de um Contrato Programa, já anteriormente apresentado e orçamentado para reparação de reboques. Foi a satisfação que se aguardava, era uma excelente ajuda para o fim em causa, pois a frota rodoviária era a mais carente e dispendiosa da reparação. Os valores monetários chegaram para esse destino, e de imediato as propostas e vontade de colaboração recebidas para a recuperação foram muitas e incentivadoras, …surpresa, do nada a aplicação dessas verbas foi canalizada para pseudo-prioridades, que hoje ainda não se compreendem nem se sabe qual o seu directo destino. Estranho reviravolta e critério!

A APL interrogava-se pela incompreensível demora da recuperação e o porquê de ceder espaço nobre no local turístico mais emblemático e desejado da comunidade náutica, mais ainda quando os barcos permaneciam num estado de conservação e limpeza desleixado, com a agravante de ostentarem a imagem de marca do concorrente que anteriormente os albergava.
Era urgente deliberar-se a recuperação da frota.
Solução: por despacho presidencial federativo, os barcos foram postos à venda completos (casco, atrelado, vários jogos de velas, palamenta e material de reserva) a preço de sucata que rondou os 3.000 € cada conjunto. De imediato, um foi vendido para Norte, sendo posteriormente os restantes três negociados a suaves prestações, …como crédito à habitação se tratasse.
Resta a satisfação aos fundadores do MR ver que estão a ser recuperados os J24 com o carinho viável e protagonizado que se desejava ter acontecido pela instituição responsável. Entretanto estranha-se o silêncio à Assembleia Geral da douta decisão presidencial de alienação de património desportivo concretizada sem a sua necessária chancela e beneplácito. No mínimo era eticamente elegante tal procedimento.
E assim se ass(ass)ina o certificado de óbito ao Match Racing em Portugal. Está concretizado sem luto e sem escrúpulos.
A Revista de Marinha pela sua idade e idoneidade anima-se, porque sabe que os líderes mudam e o bom nome do M(a)R Portugal ainda será de novo reconhecido, …aqui e em qualquer lugar.