O dia 3 de agosto, 2ª feira, amanheceu cinzento, chuviscando um pouco ali pela ilha do Pico, mas nada que pudesse ensombrar o tão desejado passeio em busca de baleias e golfinhos ao largo do Faial … o dia prometia “batismo de mar” para alguns e aventura para todos, pela certa!
O grupo de 16, composto por um casal de avós septuagenários, quatro dos seus filhos e respetivos cônjuges, mais sete dos seus netos (entre irmãos e primos, dos 3 aos 11 anos), saiu da Pink House na rua do Colégio, na Vila da Madalena e, bem equipados com kispos, ténis e calções, dirigiu-se ao pontão da pequena marina, na Angra da Madalena, onde em breve embarcariam.

Alguns minutos depois, chegava o BICHO DO MAR, um semirrígido de 8,5 m tripulado pelo Zé Nuno e a Sara, dois simpáticos biólogos da empresa Naturalist, que nos iriam guiar até ao alto mar, na direção nordeste do Faial.
Colocados os coletes salva-vidas, todos entrámos na embarcação e rapidamente nos sentámos nos dois bancos corridos, paralelos, como quem monta o selim de um cavalo, alinhados uns atrás dos outros, alternando crianças e adultos.

Excitadíssimos com a perspetiva de verem baleias e golfinhos, os sete – a Clarinha e o Pedro de 11 anos, a Mafalda de 9, a Migaça de 7, o Manel de 6, o Zé Maria de 5 e a Joaninha de 3 – lá iam, sem medo algum, radiantes com a chuva que ia engrossando e a espuma das ondas, batendo no rebordo do semirrígido e a todos molhando com grandes salpicos, à medida que aumentava a velocidade e deixávamos para trás a linda ilha do Pico.
Reinava a bordo grande animação e em breve todos cantavam a música favorita da família, de que o Bisavô Henrique tanto gostava e sempre se canta nas festas grandes de família:
You are my sunshine, my only sunshine, you make me happy when skies are grey, you´ll never know, dear, how much I love you, please, don’t take my sunshine away …
Entretanto, a Clarinha, a Mafalda e a Migaça começaram a treinar um hino de viagem… por sugestão de um dos tios (como era mesmo???
“…viemos ao Pico, mas não somos picuinhas, trouxemos picaretas para trepar ao Pico com alguns picarotos… à procura de pinguins…”
era mais ou menos assim??? E a regra desde início da viagem era esta: caras alegres, sorridentes, e sempre, sempre obedientes…nem zaragatas, nem zaragatoas do COVID, nada nos deterá, nada nos separará…).

Rumo ao alto mar, orientados por um observador (que de tarde nos levaria a conhecer o Faial e a célebre espécie endémica da Erica Azorica … ah ah ah, lembram-se???), também biólogo, que em terra, a partir de uma torre de observação, uma vigia da baleia, ia vasculhando os mares e transmitindo informações ao Zé Nuno e à Sara, avançámos de início, a grande velocidade, contornando a ilha do Faial, mas em dada altura, já bem longe da costa, os nossos experientes tripulantes e guias começaram a abrandar e vieram dar-nos algumas explicações.
Pelos vistos tínhamos chegado aos domínios das baleias e cachalotes, e de terra já tinham avistado sinais delas, por isso à distância viam-se outros barcos de whale watching também parados à espera…

Entretanto, o Pedro e a Clarinha, com o seu saber “de experiência feito” já tinham visto e identificado várias Caravelas Portuguesas, um tipo de alforreca muito perigosa, que quase nos pareciam pedaços de plástico colorido a boiar à tona de água.
Foi-nos então aconselhado guardar algum silêncio e olhar bem em redor, pois as baleias não apreciam muito barulho nas suas águas territoriais … mas silêncio era algo difícil de pedir àquele grupo tão animado … eis senão quando, lá da frente se ouve um grito inesperado : – Está ali, está ali uma baleia! Já vi, já vi! – E logo o Manelinho e as primas, apontando para a esquerda do barco, começaram a dizer que também já tinham visto. E o Zé Maria, que já estava com algum sono, quase choramingou, dizendo: – Mas eu ainda não vi nada e também quero ver … onde está??? – e levantava-se, todo arreliado por ter tanta cabeça à sua frente, e a pedir colo ao pai para ver melhor. Entusiasmadas, a Mafalda e a prima Migaça, gritavam: – Olhem, olhem, ali vai ela e leva um bicho grande ao lado! O tio padre logo sugeriu: – Meninos, vamos chamar Jonas àquela baleia?

Os biólogos riam-se do entusiasmo de miúdos e graúdos e explicaram que não se tratava de uma baleia, mas de um cachalote fêmea, que se distinguia das baleias pelo formato e tamanho da cabeça e pelas protuberâncias (uns altinhos) em vez de ter um corpo liso. E ao lado levava um bebé, um filhote cachalote a mamar. A pequenada estava delirante, mas o melhor ainda estava para vir! Com os telemóveis preparados para fotografar os cachalotes, de repente ouviu-se uma exclamação geral: – Vejam, vejam! O cachalote vai mergulhar!
E zás-traz! Mergulhou mesmo. Barbatana caudal no ar e desapareceu ante os nossos olhos, mas o vídeo registou esse momento… Só os golfinhos é que nem vê-los! A Mafalda estava cheia de pena … o seu animalzinho preferido não queria aparecer …

Entretanto, a embarcação começou a guinar, para nos dirigirmos ao Faial, pois aproximavam-se grandes nuvens escuras e ameaçadoras e já se via ao longe uma cortina de chuva.
Voltámos então a parar para ouvir novas explicações do Zé Nuno e da Sara.
A Joaninha, entretanto, já tinha fechado os seus lindos olhos azuis e dormitava meio escondida debaixo do kispo quentinho da mãe que a protegia dos salpicos e da chuva. Porém, o Manel, a Mafalda, o Pedro, a Migaça, o Zé Maria e a Clarinha seguiam atentamente a nova operação, desta vez a “pesca” de uma perigosa e venenosa Caravela Portuguesa. O Zé Nuno enfiou uma luva e pegou num pau comprido, com o qual tentava, em equilíbrios no rebordo do barco, apanhar uma delas, enquanto a Sara manobrava para nos aproximarmos. Trouxe-a junto à borda e mostrou-nos os seus “raios” ou tentáculos venenosos, assim como o balão, que de facto à tona de água parece mesmo uma vela daquelas caravelas que tornaram os portugueses conhecidos em todo o mundo.

Então, inesperadamente, o Pedro gritou: – Está ali um tubarão … vejam a barbatana de fora! … e de novo, foi grande a algazarra a bordo. Uns confirmavam e fotografavam, outros até choramingavam a pedir para ver e, entretanto, a Mafalda exclamou: – E ali vai um golfinho!
E todos se entusiasmaram com a descoberta … teria sido sonho? realidade? Não houve certezas.

E quando a Sara disse que a chuva já tinha passado e podíamos retomar a direção do porto da Horta, pedindo ajuda de todos para contarem o número de Caravelas Portuguesas, à direita e à esquerda da embarcação, já nova distração surgia … de repente, vimos um bando enorme de aves pairando sobre as águas do mar, enquanto outras esvoaçavam por cima das nossas cabeças em voos rasantes. A Migaça quis saber se eram gaivotas, mas afinal não eram. E o Zé Nuno explicou que se tratava de um bando ou jangada de Cagarros ou Cagarras.
– Caga…quê? – perguntou o Manelinho, muito admirado.
– Cagados … – respondeu a Joaninha, sempre muito assertiva e despachada e, entretanto, já acordada com tanta vozearia.

Risota geral!!! E com grande paciência e saber, o Zé Nuno explicou que os Cagarros ou Cagarras vêm todos os anos aos Açores para namorar, “casar” e dar à luz os seus filhotes, durante a noite, nas tocas que escavam em terra (e que iríamos ver de tarde no Faial). Entre março e outubro, todas as noites se pode ouvir o seu canto característico, um guincho – mistura de miar de gato e coaxar de rã. A maioria destas aves vive ali nos Açores, mas também, nas Selvagens, Berlengas e Canárias. Vivem em grupo perto de golfinhos e atuns, que lhes facilitam a alimentação, e são muito fiéis ao par escolhido, com o qual voltam sempre a encontrar-se e a acasalar depois de percorridos milhares de quilómetros durante o Inverno até ao Atlântico Sul. Na verdade, ao regressarem, voltam sempre a formar o mesmo par durante os 30 anos de vida reprodutiva e voltam à sua terra de origem.

A fome, entretanto, já começava a apertar … as nuvens de chuva afastaram-se para mais longe, raiou o sol, e o azul forte e o verde escuro do mar, ora de um lado, ora de outro, do BICHO DO MAR, eram uma maravilha …
Já mais próximos da costa, passámos pela linda praia de Almoxarife, por onde antigamente entravam piratas no Faial, e para trás iam ficando as imponentes e negras escarpas de basalto e a floresta de criptoméria pintada em vários tons de verde, assim como os campos onde se viam aqui e ali, vacas a pastar e casinhas brancas ou de pedra preta…. ou os pináculos de alguma pequena igreja…

Chegados por fim, à linda baía da Horta, fomos desembarcar na marina, mesmo em frente à Capitania de Porto, onde há muitos, muitos anos atrás o avô vivera quando o Bisavô era Capitão do Porto da Horta. Feitas as despedidas e agradecimentos, a pequenada, esganada de fome, só perguntava: – E agora, onde é que vamos comer?
O tempo era curto e na verdade, depois de um passeio inesquecível, havia que carregar baterias e estômagos, pois a tarde prometia uma bela visita ao Faial orientada por um guia da mesma empresa Naturalist. E lá partimos em direção ao Clube Naval do Faial em cujo café/bar almoçámos todos juntos.
