No que foi uma ocasião para mais tarde recordar, no passado dia 1 de Outubro a Revista de Marinha teve o grato privilégio de velejar a convite da Fundação Mirpuri a bordo do Volvo Ocean Race 65 (VOR 65) Racing For The Planet, ao largo da Baía de Cascais.
Estas embarcações são presentemente o state of the art das embarcações de competição à Vela. E como é fácil compreender para os nossos leitores velejar em embarcações à Vela de elevada performance é um sonho de qualquer velejador em todo o mundo. E dos aspirantes a velejadores. Sobretudo se essa mesma embarcação à Vela, como é o caso, tiver pergaminhos reconhecidos e um palmarés que a coloca por direito próprio nos anais da História da Vela Mundial. É o caso do Dongfeng.
Na última Volvo Ocean Race, edição 2017-18, depois de cerca de 40.000 milhas ao redor do globo, o skipper francês Charles Caudrelier levou o então Dongfeng à vitória, a qual foi garantida somente nas derradeiras milhas do evento, numa das mais empolgantes edições de sempre desta prova-rainha da Vela Offshore Mundial.
Após este brilhante feito a embarcação foi adquirida pela Fundação Mirpuri, presidida pelo Dr. Paulo Mirpuri, de cujos projetos já aqui aludimos anteriormente, e após ter sido alvo de um profundo refit e modernização nos estaleiros da Trimarine na península de Setúbal, o Dongfeng foi rebatizado de Racing For The Planet, com o objetivo assumido de lutar pela vitória na Ocean Race 2022-23, no quadro de um projeto de náutica que visa passar uma forte mensagem de responsabilidade ambiental e de sustentabilidade.

Todo este trabalho de refit minucioso levou cerca de 4 meses, tempo durante o qual em a embarcação foi completamente desmantelada e todos os equipamentos substituídos. Após a conclusão dos trabalhos nos estaleiros da Trimarine a embarcação foi entregue à Fundação Mirpuri para o seu (re) batismo, o qual teve lugar em Novembro de 2019 na Marina de Cascais numa cerimónia com muito brilho e de que a Revista de Marinha deu na altura o devido eco.
Como é sabido por todos aqueles que acompanham mais de perto este tipo de provas internacionais, os Volvo Race 65 one-design tiveram a sua estreia na edição de 2014-15 num projeto da responsabilidade da Farr Yacht Design United States.
Este projeto foi concretizado no quadro de um consórcio que envolveu a fabricação inicial de quatro embarcações VOR 65 nas quais estiveram envolvidas a Green Marine do Reino Unido, estaleiro responsável pela sua construção, a empresa suíça Decision SA, empresa especialista em materiais compósitos, a francesa Multiplast e a italiana Persico, todas elas com ampla experiência na construção deste tipo de embarcações.

De recordar que a Multiplast foi responsável pela construção do VOR 70 Groupama 4 na edição de 20111-12 da Volvo Ocean Race e à Persico coube-lhe a construção do Luna Rossa nas edições de 2007 e 2012, bem como do Abu Dhabi Ocean Racing (2011), capitaneado pelo britânico Ian Walker e que treinou com a respetiva base sedeada em Cascais.
Pelas onze horas da manhã, a partir da Marina de Cascais, fomos conduzidos num semi-rígido da equipa a bordo do Racing For The Planet que pairava ao largo da Baía de Cascais.
A bordo já se encontravam os velejadores Mariana Lobato, Bernardo Freitas, Frederico Melo e o skipper francês Yoann Richomme, entre outros velejadores, igualmente de nacionalidade francesa, e que integram a equipa do agora designado Racing For The Planet. A todos eles o nosso agradecimento pela disponibilidade demonstrada e a forma como nos receberam a bordo.

Trata-se com efeito de uma embarcação que impressiona pela robustez da sua construção e pela elegância fluida das suas linhas. Uma peça fruto do melhor design, diríamos nós. Tudo no Racing For The Planet transpira velocidade e a sua agilidade de manobra impressiona.
Já a bordo fomos informados das características técnicas da embarcação. Esta tem um peso-vazio de dois elefantes africanos de médio porte, cerca de 12,500 quilos, um comprimento máximo à linha de água de 20,00 metros e um calado de 4,78 metros, com quilha basculante. É integralmente construído em carbono de acordo com as mais modernas exigências internacionais de fabrico deste tipo de embarcações. Este conjunto de características confere ao Racing For The Planet uma leveza e uma resistência estrutural sem precedentes, o que lhe permite uma enorme fiabilidade para afrontar a alta velocidade os revoltosos Mares do Sul, os conhecidos Roaring Forties, onde chega a atingir quase 40 nós durante longos períodos de tempo. O que é verdadeiramente impressionante e que diz bem da evolução que a Vela Mundial tem conhecido ao longo da última década com embarcações cada vez mais velozes e mais fiáveis.

O Racing For The Planet tem várias configurações de velame, sendo as suas velas integralmente em carbono: a Vela Grande tem uma área de 163 m2, e várias genoas com áreas compreendidas entre os 163m2 de 133m2, conforme as condições de tempo.
Já na navegação à bolina a embarcação enverga uma vela de 468 m2 (Code 0), ou, em alternativa, uma outra de menor dimensão de 296 m2. Para navegação à popa enverga uma monstruosa vela, com a designada de A3, com 578 m2.

Vale a pena referir aqui que a área vélica do Racing For The Planet equivale a 2,5 courts de ténis, o que diz bem da sua dimensão e potência, para o que são necessários 3 quilómetros de cabos para as operar.
Está calculado que para manobrar esta embarcação ao longo das 40.000 milhas náuticas da edição da Ocean Race a iniciar em Outubro de 2022 em Valência será necessário armazenar a bordo cerca 13 quilogramas de comida liofilizada/dia para alimentar uma tripulação de 10 pessoas.
Durante cerca de duas horas com ventos de cerca de 12-15 nós do quadrante norte, condições quase perfeitas, pudemos experienciar ao largo de Cascais o que é navegar a quase 18 nós, no que foi uma experiência exilariante para qualquer comum mortal amante do desporto da Vela.

Com o incentivo do velejador Frederico Melo assumimos a condução da embarcação e pegámos na Roda do Leme, neste caso de estibordo. O seu manuseio revelou-se surpreendentemente fácil: embora grande, é muito leve e responsiva, mesmo a 18 nós.
Nas diferentes mudanças de bordo que tivemos oportunidade de levar a cabo, os dois lemes (twin rudders) permitiram uma rapidez de resposta na condução da embarcação e uma manobrabilidade únicas e que o autor destas linhas nunca tinha tido oportunidade de vivenciar. É, de facto, verdadeiramente impressionante a agilidade e a facilidade de manobra desta embarcação de quase 13 toneladas e com cerca de 10 pessoas a bordo, como foi o caso neste dia.
Também a operação dos pedestais situados no poço da embarcação, conhecidos na gíria por “moinhos de café”, e que servem para subir, descer, e caçar as velas, sendo operados por duas pessoas em simultâneo, foi não só muito gratificante como também deu bem a noção da estamina e da preparação física necessárias para manusear as velas, sobretudo em condições de mau tempo.

Por outro lado, o interior da embarcação é verdadeiramente espartano. Nesta área da embarcação a meia-nau localizam-se não só a área de navegação mas também a área de descanso da tripulação.
Em condições de regata esta área da embarcação está pejada de instrumentos de navegação e de computadores que permitem aceder em tempo real às informações meteorológicas indispensáveis para levar a embarcação a serpentear adequadamente entre os diferentes centros de altas e baixas pressões, de forma a conseguir extrair o máximo partido e a máxima pressão dos gradientes de vento, verdadeiros propulsores deste tipo de embarcações. O que exige muitos conhecimentos técnicos e experiência, para além de uma forma física e psíquica digna de um jogador de rugby, para velejar durante dias a fio em condições meteorológicas, por vezes, muito adversas.
Após o regresso a terra firme tivemos oportunidade de almoçar em amena cavaqueira com o Shore Team (Equipa de apoio de terra), no Clube Naval de Cascais, no que foi um excelente corolário para um dia muito especial.

O Shore Team é dirigido pelo nosso bem conhecido António Fontes, um dos expoentes da Vela Nacional e com uma carreira multifacetada, o qual se impõe referir a sua participação na última edição da Volvo Ocean Race (2017-18), tendo integrado a tripulação do Scallywag, cuja prova não foi isenta de momentos particularmente difíceis. Com efeito, foi a bordo desta embarcação que se deu o trágico acidente que vitimou o experimentado velejador britânico John Fisher, que já perto do Cabo Horn caiu ao mar no meio de ondas alterosas, e cujo corpo nunca foi recuperado, o que dá bem a dimensão da dificuldade de uma prova deste tipo.
Entretanto, a equipa do Racing For The Planet continuará os treinos para disputar a próxima Ocean Race, a qual largará de Valência em Outubro de 2012 com chegada prevista para Génova no Verão de 2023, após um adiamento de 12 meses devido à presente situação de pandemia, já devidamente delineado.
À sua medida a Revista de Marinha continuará a dar a devida atenção à preparação da OCEAN RACE 2022-23 em geral e à da equipa Racing For The Planet em particular, à qual desejamos os maiores sucessos.